Talento, Richarlyson tinha. Chances foram raras na Seleção. Desconfiança de sua sexualidade atrapalhou Reprodução/Instagram Richarlyson

São Paulo, Brasil

Foram 19 anos de negação.

E sofrimento.

18 anos na carreira.

Em 14 clubes e até na Seleção Brasileira.

E um como comentarista.

Até que Richarlyson tomasse coragem. E se assumisse.

“Sou bissexual”, afirmou.

“A vida inteira me perguntaram se sou gay. Eu já me relacionei com homem e já me relacionei com mulher também. Só que aí eu falo hoje aqui e daqui a pouco estará estampada a notícia: “Richarlyson é bissexual”.

“E o meme já vem pronto. Dirão: “Nossa, mas jura Eu nem imaginava”.

“Cara, eu sou normal, eu tenho vontades e desejos. Já namorei homem, já namorei mulher, mas e aí? Vai fazer o quê? Nada. Vai pintar uma manchete que o Richarlyson falou em um podcast que é bissexual. Legal.

“E aí vai chover de reportagens, e o mais importante, que é pauta, não vai mudar, que é a questão da homofobia.

“Infelizmente, o mundo não está preparado para ter essa discussão e lidar com naturalidade com isso.”

Contratado da Globo, ele decidiu assumir a sexualidade que quem convive no futebol já sabia há anos e anos. Era o próprio Richarlyson quem ‘desmentia’. Se definia como um homem heterossexual. Por conta do enorme preconceito que havia, décadas atrás.

Mas à toa, porque ninguém acreditava. Por sua postura física, maneira de falar, de reagir. A imprensa perguntava, ele negava. E a vida seguia.

Em 2007, Richarlyson chegou até a processar o então diretor administrativo do Palmeiras, José Cyrillo Júnior. Por conta de uma declaração que o dirigente deu no programa “Debate Bola”, que era transmitido pela Record TV. Perguntado se ele sabia que um jogador iria assumir sua homossexualidade na tevê, Cyrillo deixou escapar.

“O Richarlyson quase foi do Palmeiras.”

Foi um escândalo na época.

Então jogador do São Paulo, ele entrou com queixa-crime contra Cyrillo. Que foi recusada na justiça. 

Além de negar a ação, o juiz Manoel Maximiano Junqueira Filho, 9ª Vara Criminal de São Paulo, ainda fez questão de ressaltar que futebol não era lugar para gays.

“Futebol é jogo viril, varonil, não homossexual.” Não há ídolos de futebol que são gays, disse.]

Ainda citou o hino do Internacional como ‘prova’.

“Olhos onde surge o amanhã, radioso de luz, varonil, segue sua senda de vitórias.”

O juiz ainda ironizou grupos gays que apoiavam não só Richarlyson. Mas que o futebol deveria ser aberto para os gays.

“Ora bolas, se a moda pega, logo teremos o sistema de cotas.” E completou: “Não que um jogador (gay) não possa jogar bola. Pois que jogue, querendo. Mas forme o seu time e inicie uma federação. Agende jogos com quem prefira pelejar conta si.”

O juiz foi processado pela Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT) junto com quatro ONG’s (Instituto Edson Neris, Corsa, Coletivo de Feministas Lésbicas e Grupo Identidade).  

Manoel Maximiniano Junqueira Filho recebeu ‘pena de censura’ pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, pelas frases homofóbicas.

O jogador também foi excluído da Calçada da Fama do São Paulo. Não ficou nem entre os 99 atletas de mais destaque. Na verdade, ele, como campeão mundial e tricampeão brasileiro jamais deveria ter ficado de fora, em 2018. A homenagem aconteceu enquanto o clube era presidido por Leco.

O ‘erro’ só foi reparado três anos depois, por pressão de conselheiros e ex-jogadores. E ao presidente Julio Casares.

Richarlyson foi campeão do mundo e três vezes Brasileiro pelo São Paulo. Teve poucas convocações para a Seleção Brasileira. Tinha potencial para ir muito além, mas sua sexualidade, mesmo não assumida, o prejudicou.

Em 2017, as torcidas organizadas do Guarani protestaram violentamente, com direito a rojões e bombas caseiras, contra a contratação do jogador. Só disputou 22 partidas. E a torcida fazia questão de não aplaudir seu nome, quando era anunciado no alto falante do estádio Brinco da Princesa, em Campinas. O preconceito era claro.

“Eu não queria ser pautado por causa da minha sexualidade, de eu ser bissexual. Eu queria que as pessoas me vissem como espelho por tudo aquilo que conquistei dentro do meu trabalho. Eu nunca coloquei a minha sexualidade à frente do meu trabalho, e nunca faria isso. E eu não estou falando isso agora porque parei de jogar.

“Muita gente maldosa vai falar isso, que eu falei agora porque não jogo mais. Não. Eu nunca falei porque não era a minha prioridade, como não era hoje, mas hoje eu me senti à vontade de falar. Eu queria que não existisse essa pauta. Eu queria estar falando aqui da minha nova carreira (comentarista). Mas é importante. Vamos poder alertar um ali, outro aqui.”

Richarlyson sabe que a verdade é essa. Não se assumiu antes porque era jogador de futebol. E que agora, como ex-atletas, a situação ficou muito mais fácil.

Ele fez a revelação no podcast “Nos Armários dos Vestiários”.

Como lateral esquerdo e volante, Richarlyson poderia ter ido muito além. Inclusive na Seleção Brasileira.

Mas se assumisse antes sua sexualidade, não teria sequer a ótima carreira que teve.

19 anos depois ele finalmente pode se assumir.

Só Richarlyson sabe o que sofreu nestas quase duas décadas…

By Evelyn

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