Seis em cada dez pacientes apresentavam menos de dez lesões cutâneas Harun Tulunay/via Reuters

O surto atual de varíola do macaco (monkeypox, no nome em inglês), que atinge dezenas de países desde o início de maio, está com um padrão de sintomas diferente dos que era observado até então em regiões da África onde a patologia é endêmica. É o que revela o maior estudo já realizado até o momento sobre as apresentações clínicas da doença, conduzido em 16 países e publicado nesta quinta-feira (21) na prestigiada revista científica The New England Journal of Medicine.

Uma força-tarefa global de pesquisadores, sob coordenação da professora Chloe Orkin, da Universidade Queen Mary de Londres, analisou dados de 528 pacientes com diagnóstico laboratorial de infecção pelo vírus monkeypox (MPXV) entre 27 de abril e 24 de junho.

“Muitos dos indivíduos infectados analisados ​​no estudo apresentavam sintomas não reconhecidos nas definições médicas atuais de varíola do macaco. Esses sintomas incluem lesões genitais únicas e feridas na boca ou ânus. Os sintomas clínicos são semelhantes aos das infecções sexualmente transmissíveis (ISTs) e podem facilmente levar a erros de diagnóstico”, dizem os autores do artigo em comunicado.

Esses sintomas específicos podem ser graves e levaram a internações hospitalares, por isso é importante fazer um diagnóstico. Expandir a definição de caso ajudará os médicos a reconhecer mais facilmente a infecção e, assim, evitar que as pessoas a transmitam.

Chloe Orkin, professora da Universidade Queen Mary de Londres

A idade média dos pacientes com varíola do macaco analisados no estudo era de 38 anos e 75% eram brancos.

O que já havia sido constatado em diversos países acabou se confirmando no estudo: a doença está afetando, neste momento, mais homens gays e bissexuais (98% do total).

Todavia, os autores do artigo ressaltam que o vírus pode ser transmitido por qualquer contato físico próximo, independentemente de gênero ou orientação sexual, por meio de grandes gotículas respiratórias – o que inclui, por exemplo, beijos – e potencialmente por roupas e outras superfícies.

Quatro em cada dez pacientes tinham diagnóstico de HIV, de acordo com o artigo. Além disso, infecções sexualmente transmissíveis, como sífilis, gonorreia e clamídia, foram reportadas em 29% do total.

Em 95% dos casos, havia suspeita de transmissão durante atividade sexual.

Nos indivíduos que lembravam quando poderiam ter sido infectados, o período de incubação (entre a exposição ao vírus e a manifestação dos primeiros sinais) foi, em média, de sete dias.

O sintoma clássico da varíola do macaco é o chamado rash (erupção de lesões cutênas), que foi observado em 95% dos indivíduos. 

Porém, mais da metade deles (64% tinham menos de dez lesões), contrariando a imagem que se observava em fotos de pacientes africanos.

O padrão diferente de sintomas envolve principalmente as lesões na região anogenital, que estavam presentes em 73% dos infectados.

Úlceras nas mucosas apareceram em 41%, sendo que um em cada dez pacientes tinham uma única lesão genital no momento do diagnóstico.

“Essas diferentes apresentações destacam que as infecções por varíola do macaco podem ser perdidas ou facilmente confundidas com infecções sexualmente transmissíveis comuns, como sífilis ou herpes. Sugerimos, portanto, ampliar as definições de caso atuais”, alerta outro autor do artigo, o médico consultor em saúde sexual e HIV John Thornhill, professor da Universidade Queen Mary de Londres e do Barts NHS Health Trust.

A varíola do macaco começa normalmente com um quadro que pode ser confundido com outras doenças infecciosas, é o chamado pródromo. Os sintomas desta fase mais descrito no estudo foram: 

• Febre (62%)
• Inchaço de gânglios linfáticos, que podem ser atrás da orelha, pescoço ou virilha (56%)
• Cansaço (41%)
• Dor muscular (31%)
• Dor de cabeça (27%)

Órgãos sanitários de diversos países também apontam dor nas costas e calafrios como características a serem notadas. 

Esses sintomas costumam durar entre um e quatro dias e precedem as erupções de pele. 

Vírus no sêmen e transmissão sexual

Também em linha ao que já havia sido observado anteriormente na Itália e na Espanha, os pesquisadores verificaram que em 29 de 32 pacientes que tiveram o líquido seminal analisado havia DNA do vírus monkeypox.

“Também encontramos o vírus da varíola do macaco em uma grande proporção das amostras de sêmen testadas de pessoas com varíola dos macacos. No entanto, isso pode ser incidental, pois não sabemos se está presente em níveis altos o suficiente para facilitar a transmissão sexual. Mais trabalho é necessário para entender isso melhor”, esclarece Thornhill.

O especialista acrescenta que a varíola do macaco “não é uma infecção sexualmente transmissível no sentido tradicional” e que “pode ser adquirida por meio de qualquer contato físico próximo”.

“No entanto, nosso trabalho sugere que a maioria das transmissões até agora tem sido relacionada à atividade sexual – principalmente, mas não exclusivamente, entre homens que fazem sexo com homens. Este estudo de pesquisa aumenta nossa compreensão sobre as formas de disseminação e os grupos em que está se espalhando, o que ajudará na identificação rápida de novos casos e nos permitirá oferecer estratégias de prevenção, como vacinas, aos indivíduos de maior risco.”

Complicações

Na grande maioria dos casos, a varíola do macaco se resolve espontaneamente sem sequelas. O isolamento dura entre 14 e 28 dias e só pode ser suspenso quando todas as crostas das lesões cutâneas caírem e nascer uma leve camada de pele no local. 

Entretanto, alguns pacientes podem apresentar complicações. 

O estudo aponta que 13% do total de casos precisaram de internação, em sua maioria para “controle da dor”, principalmente dor anorretal severa (21 pacientes).

Também houve hospitalizações por superinfecção de tecidos moles (18); faringite limitando a ingestão oral (5); lesões oculares (2); lesão renal aguda (2); miocardite (2); e fins de controle de infecção (13).

O antiviral tecovirimat, contra varíola humana, está disponível em alguns países. Este tratamento foi utilizado em 5% dos pacientes.

Não foram registradas mortes por varíola do macaco até o momento em países onde a doença não é endêmica.

Especialistas entendem que a idade média das pessoas que estão sendo infectadas – o vírus é mais letal em crianças – e a estrutura hospitalar de países europeus e da América do Norte (que concentram a maioria dos casos) contribuem para isso.

Aumento de casos

Os novos casos de varíola do macaco continuam em elevação no mundo. O CDC (Centros de Controle e Prevenção de Doenças) dos Estados Unidos contabilizava nesta quinta-feira mais de 15,1 mil infectados em 65 países fora de áreas endêmicas.

Os cinco países com os maiores números de casos são:

• Espanha: 3.125
• Estados Unidos: 2.322
• Reino Unido: 2.137
• Alemanha: 2.110
• França: 1.453

O Ministério da Saúde registra hoje 607 casos confirmados, em 14 unidades da federação, sendo que a maioria (438) se encontra no estados de São Paulo e Rio de Janeiro (86). 

Com os números atualizados, o Brasil se torna o sétimo país do mundo com maior número de casos de monkeypox

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By Evelyn

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