Numa entrevista à agência Lusa, em Lisboa, onde participou sexta-feira na conferência Segurança – Da Europa ao Indo-Pacífico, promovida pelo ‘Clube de Lisboa’, Sinan Ülgen, diretor do Centro de Estudos Económicos e de Política Externa de Istambul, destacou a “ameaça muito clara” à segurança europeia que Moscovo tem estado a demonstrar com a invasão da Ucrânia.

“[A guerra na Ucrânia] forçou os europeus a rever o olhar sobre a defesa e segurança, porque, depois de 1989, muitos países europeus beneficiaram dos ‘dividendos da paz’, que permitiram reduzir as despesas em segurança e aumentaram a confiança nos Estados Unidos”, afirmou Ülgen.

Para o também economista, a guerra veio demonstrar que o mundo está agora numa “era diferente”, onde “a Rússia se tornou uma ameaça muito clara à segurança para a Europa, que os europeus precisam de combater e de responder”.

“Uma dimensão dessa resposta tem de passar pelo aumento da despesa com segurança para que os países europeus possam aumentar também as suas capacidades de defesa”, sustentou.

Para Ülgen, um segundo passo tem a ver com a necessidade de os europeus terem de “perceber verdadeiramente” como vai evoluir a relação com os Estados Unidos no futuro.

“O que se pode constatar até hoje com a guerra na Ucrânia é que os Estados Unidos têm estado na vanguarda e desempenhado um papel de liderança na comunidade transatlântica, quer na forma de definir a resposta à Rússia, quer na coordenação de sanções e sobretudo no apoio ao esforço de guerra na Ucrânia. Quando olhamos para os números podemos constatar que a grande maioria do material e equipamento militar é norte-americano e não europeu”, argumentou.

Nesse sentido, prosseguiu, os europeus têm agora de perguntar-se sobre se esta dependência nos Estados Unidos pode continuar indefinidamente, porque o que se viu no passado recente é que, ao contrário da administração de Joe Biden, a aproximação à Europa da administração Trump era muito diferente.

“A Europa tem de começar a pensar de forma muito mais estratégica e inteligente sobre como poderá reduzir a dependência dos Estados Unidos na construção da sua própria cultura de autonomia estratégica”, sublinhou Ülgen.

Questionado pela Lusa sobre que ramificações tem a guerra na Europa noutras regiões, Ülgen destacou a “surpresa” com que os europeus ficaram com a falta de apoio do resto do mundo à sua posição contra a Rússia.

“Os países africanos, por exemplo, não foram muito críticos com a Rússia, não implementaram sanções contra a Rússia e, até certo ponto, isto pode ter constituído uma surpresa para muitos países europeus. Há agora a necessidade de perceber porque é que isto acontece, porque é que não há um apoio mais forte, pelo que a UE deve agora calibrar a sua diplomacia para, primeiro, entender e, depois, responder a esta visão dos países do sul”, argumentou o investigador turco.

Instado pela Lusa a explicar por que razão a Turquia, país membro da NATO, não aplicou as sanções económicas a que está obrigada pela Aliança Atlântica – é o único Estado membro da organização que não o fez -, Ülgen salientou que a posição de Ancara é “diferente”.

“Para entender essa decisão tem de se olhar para o mapa do mundo. A Turquia está exposta a ameaças de segurança a partir do sul, em particular da Síria, bem como do Irão e do Iraque”, frisou, sublinhando que, na questão síria, Ancara “teve de estabelecer uma parceria diplomática com a Rússia para estabilizar a situação” no país.

“Isto não era a opção favorita da Turquia, mas, face à ausência de alternativas, uma vez que os europeus não se envolveram, nem têm estado ativos na Síria, e os Estados Unidos não mostraram qualquer interesse na Síria, mesmo depois do uso de armas químicas pelo regime de Bashar al-Assad, foi o que aconteceu. A Turquia estava exposta a todas as consequências da instabilidade, em especial com o fluxo de refugiados – há agora cerca de quatro milhões de sírios na Turquia”, afirmou.

Nesse contexto, a Turquia teve de encontrar uma solução para estabilizar a situação na Síria e foi por isso que se chegou a uma parceria diplomática com a Rússia, “uma vez que Moscovo tem influência sobre o regime de Damasco”.

“Por isso, a Turquia não se pode dar ao luxo de quebrar essa relação com a Rússia. No entanto, a Turquia adotou uma política pró-Ucrânia – tem estado a dar apoio à Ucrânia, em particular ‘drones’ -, mas, ao mesmo tempo, não hostiliza a Rússia [pelo facto de pertencer à NATO]. Esse é o balanço político-diplomático que se pode fazer”, concluiu Ülgen.

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By Evelyn

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